quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O colchão
Tony Pent
Era madrugada e de repente ele foi acordado sem motivo algum. Por mais que ele tentasse recordar de algum sonho ou de algum pesadelo que pudesse colocá-lo naquele estado de apreensão, nada lhe vieram às lembranças. Alguma coisa lhe mostrava de maneira palpável, que ele se encontrava já algum tempo a sós.
- Depois que se fica velho – pensou consigo-, ninguém se preocupa com o que você possa pensar. A sua vida se torna dividida entre o desejo e coerência, porque quando se está sozinho consigo mesmo, esses dois sentimentos são os que mais se distingui de lamentável na solidão.
Como sempre, mais esta noite ele estava só e a esposa no quarto contíguo ao dele era a única pessoa do mundo que se achava em comunhão com ele. Apesar da pouca distância que os separava, os pensamentos deles eram longínquos e isso era um bom motivo para que dois não deixassem de ser amigos ou cúmplices, mesmo quando essas cumplicidades fossem efêmeras, contudo, relativamente agradáveis.
Diante da escuridão do pequeno quarto, ele sentiu que as suas faces estavam roxas de frio e, um calafrio lhe arrepiou ainda mais a pele, como se uma violenta necessidade de sentir contra a sua carne o contato de uma outra carne, justificasse o seu desejo naquela solidão.
- A quem eu devo procurar, então? A você minha adorada e eterna esposa! – disse para si mesmo
Não pensando em mais nada, todo o seu ser palpitou de numa grande expectativa. Ele teve medo, mas seu coração havia se inundado de esperança. No entanto, assim que abrir a porta do quarto dela, tudo lhe pareceu que ele caminhava para o encontro de uma desconhecida. Os seus passos pareciam que eram amortecidos pelo medo de acordá-la. Quando ele parou ao lado da cama nos sentido contrário ao que ela dormia, ele sentiu como há muito tempo que aquele fora o seu lugar de honra. Mas, antes que ele tomasse o seu lugar de direito, a voz doce e melodiosa da esposa dele ecoou dentro da noite.
- Você tinha que me acordar!
Quisera ele ter-lhe respondido: “estava com saudades”. Mas não pode. Podia-se dizer que era impossível ele articular qualquer frase diante da sua decepção.
Para falar a verdade, ele se sentiu cansado e envergonhado. Depois ele tentou dar um sorriso meio sem jeito e como um filho que se envergonha de medo e procura a cama dos pais ele foi se ajeitando e ao colocar a almofada sob a cabeça quis sorrir duas ou três vezes, com ar misterioso e em instante depois tentou adormecer. O leve torpor da escuridão o levou para alguns anos atrás, quando ele se deitava sobre o seu colchão modelo “King Size” e se esparramava ao sabor do calor do corpo daquela que agora fingia dormir. Vários anos seus sonhos e seus desejos formam embalados por aquele objeto de descanso. Tal era o apego do colchão para com o casal, que as suas molas se amoldaram aos corpos deles, como os braços de uma mãe a acariciar seus filhos durante o sono.
Naquele tempo, ele inventava as maiores loucuras para agradá-la e era até capaz de se antecipar aos maiores desejos dela e tudo para mostrar a ela o quanto ele a amava. Na verdade ele sempre foi o mesmo e se por instante no começo do casamento, houvera incompreensão, isso acontecia sempre por culpa dela. Comparando-se ao amor que ela lhe dedicara, o dele lhe parecia artificial e egoísta.
Às vezes ela até achava maravilhoso ser amada, acariciada e desejada como era, mas, no entanto, por alguns momentos ela experimentava de repente, uma espécie de repulsa por ele, a qual se podia bem ver que: no fundo de si mesma ela não tinha o amor dele como o seu amor integral.
Para provar isso, ele corria desenfreadamente atrás desse meu único alvo: a mulher que representava para ele toda sua felicidade. Certamente ele queria fazê-la feliz, mesmo que nessa união ele tivesse de ser infeliz. A principio ele sempre soubera que a vida deles se transformaria no que se transformou; pois no fundo, o amor dele também se tornou egoísta. A resistência da mulher dele era a prova disso e, que ele jamais fora o homem a quem ela deveria se casar.
Na verdade, ele tinha muita fé no futuro e esperava que realmente as relações delas se tornassem mais ternas, mais generosas e que a compreensão dela lançasse uma ponte por cima daquele abismo, que nada parecia a ele que um dia se fecharia.
Agora como estava horrorizado dentro daquele quarto, ele não podia evitar que vagas fantasias acompanhadas de uma tristeza sensual viessem assediar o seu espírito, mostrando aquele leito, como se fosse o seu leito de morte. Aliados a esses pensamentos mórbidos, ele podia compreender que a alma dele sempre esteve nas duras mãos dela, e que jamais ele mentiria se dissesse que não desejaria se casar com ela ou que talvez teria sido melhor para ele e para ela que dois não tivesse esse fim.
Tudo lhe parecia ridículo em dizer, que ele ainda desejava para ela a maior felicidade do mundo, onde ela dizia que: ele próprio desgastou, não ignorava, os melhores anos da vida dela.
Hoje, na velhice, a doença dela se agravou e o seu processo alérgico tomou novos rumos e a culpa de tudo foi de um simples colchão que os afastou, quando na verdade o que os afastou para sempre, foram os verdadeiros e bons momentos que eles nunca mais tivemos.
Para tanto foi preciso que o velho colchão fosse lançado ao fogo, com todas as lembranças de desejos e de carinhos que os dois tiveram ao longo da vida. Por um novo colchão a vida também foi substituída.
Os fungos e os ácaros que habitavam o velho colchão os rodeavam aos milhões e bilhões de sonhos formavam com eles uma vida, simples, mas unida, ao passo que este novo colchão se tornou tão estreito e apertado que foi necessário que um nós dois se abdicasse da companhia do outro.
Tudo foi um mero acaso, que a vida por si só achou por bem traçar para eles um novo rumo.
Esse encontro com a saudade que ele teve ao invadir o quarto dela lhe dera uns bons minutos, para que ele pudesse refletir sobre a forma piedosa com que ela tinha de tratá-lo toda as vezes em que os dois se encontrassem .
Na verdade, a situação de outrora fora dramática, teatral como a de agora, só que sem a feição dos desejos, o quê muito a lisonjeia, principalmente ao chamar com impaciência para a felicidade, este, que agora se levanta para rumar para o seu pequeno quarto solitário. Este, cujo coração transborda de amor e desejo por uma mulher que nada lhe concebeu para o bem, bem como para o mal e que ele ainda lhe dá o direito de continuar exclusiva.
Já de volta para o seu leito, ele acendeu a luz, encostou a cabeça no travesseiro e ficou a olhar a fotografia dela em cima de sua mesa. Uma magoa incontida se rompeu em pranto. O peito dele se encheu de dores e quando mais ele pensava que a tristeza havia acabado mais lágrimas lhe transbordavam dos olhos. Um soluço acompanhado de mais outro, um suspiro logo em seguida, um profundo e tudo cessaram. As mãos dele descansaram ao peito e a imagem da fotografia dela foi lentamente se apagando nos olhos dele...

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